Norma, nutricionista, fala com voz calma sobre o que viu, observou e acompanha naquele espaço de vida desde 2006. As pessoas, a quem ajuda a cultivar plantas, sentimentos e sustentabilidade, são cuidadas no hospital Phillipe Pinel. A proposta está no contexto da reforma psiquiátrica em que oficinas terapêuticas são oferecidas às pessoas em tratamento, de acordo com suas escolhas, seus desejos e na medida das possibilidades locais. Ocupar mentes e mãos na reconstrução do relacionamento do interior com o meio externo, promover a convivência e integração ao grupo, aprender e experimentar uma atividade, resolver questões cotidianas com criatividade e com serenidade são ganhos planejados e se integram ao tratamento que a pessoa vem recebendo. Há dificuldades como a não remuneração pelo trabalho, muitos reivindicam um salário ou uma ajuda.
O cotidiano vai revelando aprendizagens, modos de fazer e sentir. O estigma da doença mental que favorece a baixa autoestima pode ser transformado com o orgulho da beleza dos canteiros, com o elogio de outros. Observar, aprender e ensinar, ter compromisso com o trabalho, perceber que a vida da planta depende de seus cuidados pode ajudar a se ver pelo lado positivo e a dar um novo sentido à vida.
Revolver a terra é ter momentos de prazer e de calma, muitos relembraram suas histórias, fazem retrospecto da sua infância. Acompanhar o crescimento no dia a dia, observar, perceber necessidades de cada planta, expondo diferenças como a de mais sol para algumas, de menos água para outras, e até a da hora mais adequada para a poda são experiências e aprendizagens. Plantas não são iguais. As ornamentais, as medicinais encontram também espaço. Do convívio múltiplo, todos se sentem beneficiados e tudo fica bonito. E daí parte uma reflexão, a da diversidade. Diversidade que é um valor. A analogia do viver em sociedade é percebida por alguns integrantes do grupo, embora todos sejam pessoas as necessidades nem sempre são as mesmas.
A sociabilidade do grupo propicia o diálogo mais fácil, e assim percebe-se a melhora dos participantes para ouvirem outras pessoas e falar sobre suas experiências, apresentar o resultado de seu trabalho, passar conhecimentos. O relato de um deles que suava para falar com as pessoas e que agora já aprendeu a mostrar o fruto de seu trabalho com mais tranquilidade é um exemplo de como se dedicar a um ofício desta natureza pode modificar vidas.
Vida e morte se complementam e na horta os sentimentos alegres e tristes se misturam como no cotidiano da vida. A observação do desenvolvimento das plantas, do seu crescimento e até da sua morte, às vezes prematura, refaz caminhos de desejos internos, de ganhos e perdas. Mas traz também ansiedade, frustração e a determinação de plantar de novo, o renascer de cada dia. E assim, a paciência vai sendo burilada. Folhas que caem da árvore e galhos, plantinhas que não vingam se transformam em adubos naturais, nada que tenha produto químico é utilizado. Cascas de frutas também não, porque atraem animais, por exemplo, os gambás que vivem na região. O processo de compostagem dura três meses, e estimulam a espera e a paciência. O composto vai ser alimento para as plantas, às vezes até para a própria do qual um pedaço se desprendeu. São nutrientes e mostram que a vida se transforma e se reconstrói. Outro ensinamento é a valorização da terra, com suas minhocas, micróbios, bichinhos diferentes e até da utilidade daquela planta que nasceu ali, um matinho, que só deve ser arrancada sob critérios.
O lixo é separado, e vai para o lixo o que não pode ser reaproveitado. Os canteiros contornados por garrafas pet, enterradas com tampas para baixo, trazem mais uma surpresa. Elas são resgatadas do que é jogado do morro, onde existe uma pracinha. Lixo reaproveitado. O material também compõe os jarrinhos da horta vertical. Uma beleza de ver!
A prevenção de dengue é lembrada, e se faz no dia a dia monitorando objetos no chão e não permitindo acúmulo de água e poças d’água. Além disso, um mural afixado orienta quanto aos cuidados a serem tomados para o mosquito não proliferar.
A horta depende de uma técnica que se aprende e se vai aperfeiçoando, mas principalmente adaptada à realidade local. Lembrar sempre que não se utiliza produtos para eliminar pragas, é tudo manual ou com controle biológico, plantas que se misturam para proteção, mesmo considerando a poluição da cidade, com o trânsito de veículos muito perto. Os cuidados com as ferramentas, aprender a usar de forma correta, manter o ambiente arrumado pode ajudar a (re)aprender a cuidar de si próprio, de sua aparência... As aprendizagens podem caminhar em outro sentido como o de cultivar uma horta em casa, nos locais de trabalho, e desse modo difundir novos hábitos como o de consumir alimentos orgânicos, sem agrotóxicos, com seu aproveitamento integral. E traz uma perspectiva para alguns, o reingresso ao trabalho, do qual está afastado.
Escutar que há modos corretos de se cultivar nem sempre leva a aceitação. Os participantes tem liberdade para transgredir, e experimentar o seu modo de fazer. Os resultados são às vezes bons e outros com erros, o que traz aprendizagem. Desse modo, são estimuladas a observação, a criatividade e a humildade para aprender.
A horta pode ser vista como meio de conhecimento da natureza e de si próprio. E nada melhor que associar essas pequenas atitudes regidas pela solidariedade à perspectiva de um mundo mais ecológico e mais feliz.
De tudo que foi dito desse espaço catalizador de emoções e de conhecimentos ficam alguns conceitos. É uma horta de relações, de cuidados com a planta e com si mesmo. É uma mudança até de alimentação, plantar experimentar coisas diferentes e orgânicas. Concentração, paciência e cuidado diário são requisitos essenciais.
Ao mesmo tempo em que é aprendizado de sociabilidade - a pessoa tem que responder às questões, com rapidez de raciocínio – traz momentos prazerosos, de relaxamento e de calma.
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